ROTARY CLUB SESIMBRA

BAÍA DE SESIMBRA

sábado, 27 de novembro de 2010

Palestra “A Justiça. Seu estudo e sua prática”, realizada pelo Dr. José Paulo Albuquerque (15/11/2010).

Sobre a justiça, mais como função do que como profissão, o orador salientou que a realidade testa a necessidade de uma e de outra. Esse teste de realidade pouco nos diz sobre o que seja a justiça, pois são a injustiça e a desigualdade que dominam os ainda possíveis equilíbrios das estruturas sociais. A justiça é assim necessária porque a sociedade é injusta e desigual. A magistratura torna-se necessária como modo de dar eficácia à linguagem da justiça ou de a administrar.

Incumbido de dizer o direito, um magistrado é como outro qualquer cidadão, que é considerado pelos outros como alguém independente e que está encarregado de pronunciar decisões justas e adequadas às circunstâncias particulares, função a que se acrescenta o monopólio da coerção ou o poder de impor uma decisão de justiça através do uso da força pública. Não basta pois o emblema igualitário da balança, o julgamento por divisão e justeza. Isso seria fácil. A tarefa torna-se difícil quando se tem que decidir por proporção face à desigualdade de quem se apresenta à justiça e a responsabilidade torna-se pesada se depois da balança se tem que usar a espada.

A legitimidade dessa função deriva tanto da imparcialidade, da independência, da autonomia ou liberdade e da competência técnica quanto dos padrões de conduta que sustentam a integridade moral, umas e outras condições de confiança na magistratura.
O étimo das palavras revela o seu segredo, embora a realidade teste o seu sentido e função. A magistratura não é apenas um magistério, derivando uma e outra palavra de magister, com o significado de «maior» ou de «mestre». É também um ministério, enquanto serviço público ou trabalho destinado ao povo, sintetizando-se no «magistrado» a harmonia da mestria ou capacidade de trabalho colocada ao serviço do povo.

A consciência actualizada dessa subordinação e desse serviço enquanto ministério, não permitindo a subversão do ordenamento jurídico, nem aconselhando o conformismo ao legalismo positivista, pode abrir o viés a um modo humanista de se ser administrador da justiça em nome do povo, descobrindo os dois caminhos e as duas verdades da lei, uma a letra ou verdade literal e outra o espírito ou a verdade subjacente.
Cientes das virtudes e defeitos da função de administrar a justiça em nome do povo, aceite a condição de polémica constante que envolve justiça e magistrados, a confiança que lhes sustenta o reconhecimento de imparcialidade e de independência ou autonomia depende sobremaneira da protecção que a sociedade lhes dispense. Mas, mais do que dispensar, é uma protecção que deve ser exigida, como também deve ser exigido que o magistrado se proteja, sobretudo pela observância do dever de reserva.

Mais do que nunca, os magistrados devem hoje ser reconhecidos. Um reconhecimento que se deve fazer mais pela autenticidade da sua conduta do que pela imagem má ou boa que deles se cria, mais pela imparcialidade das suas decisões do que pela polémica em que são lançados, mais pela justeza das decisões como fonte de afirmação ética do que pela mera técnica argumentativa ou retórica, mais pela reserva que se devem impor a si mesmos do que pela disputa de protagonismo e das luzes da ribalta, mais pela salvaguarda da dignidade do cargo do que pela paródia em que por vezes se transforma a sua avaliação pública. É um reconhecimento que remonta a sua legitimidade à metáfora do «moleiro de Potsdam» e que tem o actual significado de que a jurisdição se deve sujeitar à lei e tem sobretudo funções de garantia, independência, tutela de direitos fundamentais, se necessário contra-maioritariamente, mesmo em democracia, onde continua a haver o risco do totalitarismo da maioria.
Esse reconhecimento e protecção são devidos. Devem ser também merecidos. Devem ser praticados. Tudo em nome do povo, em nome do bom governo e em nome da justiça.

Sem comentários:

Enviar um comentário